O clichê do clube pequeno, bem administrado, estruturado e que pula divisões até atingir a elite do seu país não é necessariamente novo. Em diferentes lugares da Europa, é fácil localizar entidades com esse tipo de história. Todavia, todas possuem o seu valor individual.
É o caso do Sassuolo, uma espécie de clube-empresa italiano da região da Emília-Romanha, que merece muito destaque. Dentro ou fora das quatro linhas, a gestão é lúcida e vai rendendo frutos. Chegou a hora de conhecer esse projeto.
Giorgio Squinzi. Esse é o nome do homem que começou a mudar o destino do Sassuolo, quando adquiriu o clube em 2002. Dono também da Mapei, empresa forte no ramo de materiais de construção, Squinzi conseguiu três promoções em dez anos – da 4ª divisão à Serie A italiana. Aliás, a Mapei pode facilmente ser confundida com o clube nestes quase 15 anos de parceria no estado mais puro da palavra. A companhia, que já havia patrocinado a equipe num curto período entre as décadas de 1980 e 1990, é quem tem as rédeas do estádio onde o time neroverdi atua, por exemplo. Além disso, a instituição certamente terá participação no novo projeto de complexo esportivo do Sassuolo.
Avançando na questão do complexo esportivo, atualmente os treinos são dados no pequeno estádio Enzo Ricci. Mas a expectativa é que um moderno centro de atividades seja desenvolvido; inclusive, a área para construção está sendo estudada. Esse centro guardaria os profissionais e funcionários do clube, mas também teria um espaço reservado aos cidadãos de Sassuolo – são cerca de 40 mil. A ideia é se aproximar dos torcedores, trazê-los para perto. Muito pelo fato de que os jogos são mandados fora da cidade.
Retornando aos seguidos acessos dos neroverdi, já neste período a proposta de apostar nos jovens funcionava. Massimiliano Allegri (40 anos) e Stefano Pioli (44) treinaram a equipe em divisões menores, hoje ambos estão na Serie A e disputam competições europeias. Mesmo o atual comandante, Eusebio Di Francesco, tinha 43 primaveras quando levou o Sassuolo à elite.
Sem grana sobrando (apesar do mecenas), a via era – e ainda é – investir nos bons garotos para montar o grupo. Inclusive, um deles acabou ficando mais do que o esperado. Permaneceu para todas as promoções, virou capitão e tem o recorde de partidas do clube: é Francesco Magnanelli, uma lenda viva da agremiação.
“Rapazes, vamos nos mexer. Eu quero jogar na Europa”
Certa vez, foram essas as palavras do proprietário Squinzi ao entrar no vestiário neroverdi, quando o time era lanterna. É óbvio que, naquele momento, o principal era fugir do rebaixamento e a frase soou estranha. Entretanto, já estabilizado na Serie A, o longo projeto emiliano realmente tem esse objetivo ao fundo.
Para tal, como dito, os garotos são a solução. Mas não formá-los em casa, algo financeiramente pesado e arriscado, e sim tirá-los dos grandes com uma proposta quase irrecusável: a garantia de minutos em campo. Mesmo que alguns jovens não rendam e retornem ao clube de origem após determinado tempo, ainda assim o negócio possui um custo-benefício favorável.
É possível comprovar a ideia olhando as últimas participações do Sassuolo no Campeonato Italiano sub-19, o maior torneio de base da Bota. Nas quatro temporadas passadas, em grupos de 14 times onde cinco se classificam, os neroverdi sempre ficaram entre a 8ª e 11ª posição. Neste mesmo período, garotos como Simone Zaza, Sime Vrsaljko, Saphir Taider, Domenico Berardi e Nicola Sansone – só um foi criado ‘em casa’ – brilharam entre os profissionais.
Hoje, contando unicamente os que já jogaram o campeonato nacional, são sete atletas com 23 anos ou menos no grupo; abrindo aos que têm 24, são doze. De todos, apenas dois vieram das categorias de base. O plano é claro, e dá frutos.
“Se você vê um treinamento do Sassuolo, ouvirá apenas uma língua: a italiana. Continuaremos assim”. Squinzi, Giorgio.
Parte da identidade emiliana também envolve o nacionalismo. ‘Time mais italiano da Itália”, o Sassuolo consegue facilmente ter onze titulares nascidos no Bel paese, tarefa dura nesse mundo globalizado. Isso não acontece por acaso, Squinzi é abertamente a favor da ideia e enxerga ganhos nesse sentido.
“Se todos entendem o treinador, fica mais fácil fazer um grupo”, afirma o mecenas.
Em 2015/16, não mais que quatro estrangeiros vestiram a camisa verde e negra. Na parte de cima da tabela, o Sassuolo é o estranho patriota em meio aos gigantes ‘do mundo’.
Como o futebol reage – bem – à administração
Eusebio Di Francesco está na liderança do campo desde 2012, e ele possui autonomia quase total aí. Uma das únicas ordens de cima diz que os garotos têm de jogar. Porém, essa já vem no sangue do promissor treinador, de 46 anos. Apesar de adaptável, o estilo do conjunto preza um trabalho defensivo sólido e contra-ataques fulminantes a partir das beiradas.
As médias sem a bola mostram como a arte de defender é dominada em Sassuolo: a 7ª equipe em duelos aéreos vencidos por jogo, a 6ª em interceptações por partida, a 6ª defesa menos vazada da Serie A, o 2º time que mais bloqueia arremates por confronto. Sem contar que o goleiro Andrea Consigli é um dos melhores da liga. Tudo dentro de um coletivo que sabe se transformar num só corpo quando preciso.
Tanta garantia atrás, onde as linhas de marcação são próximas e coordenadas por zona – inclusive nos escanteios -, permite que os atacantes explorem sua velocidade a cada contragolpe. No 4-3-3 de Di Francesco, os pontas dribladores é que lideram as ações rápidas e verticalizam as jogadas, enquanto o centroavante se mexe para auxiliar e os meias alternam controle e chegada. Com vários jovens atletas à disposição e jogadores mais experientes (de sua confiança) em posições-chave, o técnico monta um modelo de futebol trabalhador, dinâmico, atraente, bem regulado e eficiente ao mesmo tempo. Que encaixa com a pedida da diretoria – porém, sem deixar de ser competitivo.
O caso de sucesso do Sassuolo é interessante porque consegue aliar o administrativo e o futebolístico, as contas para manter o clube financeiramente saudável e as contas para atingir uma competição europeia.
É emocionante porque, há cerca de dez anos, o time jogava a 4ª divisão. É real, pois não existe um caminhão de dinheiro por trás. É legal, afinal preza pelo produto nacional, os garotos. Podendo ou não ser um exemplo para outros, vale muito conhecer esse projeto chamado Sassuolo.
***Estatísticas apuradas até o dia 19/03/2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário